Amanda e o desafio de grampear papéis

A UC Berkeley define o estágio de quatro meses após o curso de extensão como uma oportunidade para que os alunos coloquem as suas habilidades e conhecimento em prática e vivam a experiência de trabalhar em uma empresa americana e se aproximar dos negócios de forma mais direta.

Acreditando nisso e nos belos nomes das empresas parceiras que a agente de viagens me falou, resolvi que valeria a pena esticar a jornada californiana com um estágio não remunerado (o famoso pagar pra trabalhar, só que de verdade).

O sonho começou a se desconstruir com as primeiras entrevistas que fiz, pois fui notando que os gestores estavam buscando alguém só pra dar uma ajuda na rotina da empresa, sem nada de muito estratégico e enriquecedor na função, e que a maioria dos alunos só topava essa ideia para completar o período necessário como estudante nos EUA antes de se candidatar ao OPT e ficar aqui para trabalhar permanentemente depois. Fora isso, quando você olha com cuidado o nome das empresas parceiras, se dá conta que os melhores nomes oferecem vagas para engenheiros e economistas... Mais uma vez, malditos números!

O lugar que me mostrou que havia luz no final do túnel foi o St. Regis, um hotel 5 estrelas e super bem localizado em San Francisco e que me ofereceu uma vaga na área de RH. A pessoa que me entrevistou me recebeu no saguão chiquérrimo do hotel e pareceu ser uma fofa, dizendo que eu seria envolvida em projetos diversos, que participaria de eventos e reuniões e que poderia aprender muito com os programas de reconhecimento de funcionários deles. Como alguém que pretende gerenciar pessoas no futuro, embarquei na ideia.

No dia 9 de janeiro eu cheguei ao hotel para o meu primeiro dia de trabalho e passei por uma daquelas portas secretas que ficam nos cantos do lobby e dão para os escritórios de quem trabalha na área administrativa. Vou te contar que o sonho do glamour e das 5 estrelas se acabou naquele exato momento: eu andava por lugares que pareciam rota de fuga em caso de incêndio, com escadas barulhentas, portas corta-fogo e paredes nem sequer pintadas. Uma vez que cheguei ao escritório, soube que naquela tarde haveria um evento para os funcionários e que então eu precisaria ajudar a montar os quadros que seriam entregues a eles. Depois do almoço eu fui com o outro estagiário entregar a correspondência aos funcionários do hotel e logo já era hora de voltar para casa.

Me pareceu um dia atípico e, de certa forma, animador. Na terça eu voltei e recebi o meu primeiro projeto: imprimir kits de documentos para os funcionários que fossem contratados dali pra diante e montá-los em pastas. Caso faltasse algo, eu teria total autonomia para usar a máquina de fotocópias e tirar xerox. De tarde, o segundo projeto, agora de recrutamento e seleção e ainda mais difícil: acessar o banco de dados e imprimir os currículos dos candidatos às vagas em aberto. Não precisava ler nada, só mandar pra impressora. Quando terminei, avisei à coordenadora que, empolgada com meu desempenho, me disse: "Wow, wonderful job!! Thanks a lot for your amazng performance".

E essa rotina se repetiu com pequenas variações (mas sempre com muitos clips, grampeadores, papéis e cópias) na quarta e na quinta, quando eu resolvi que uma atitude precisaria ser tomada e pedi uma reunião com a coordenadora de estágios da UC. Eu já estava esperando que ela me dissesse que eu estava sendo precipitada em reclamar, que não tinha dado tempo para o devido aprendizado, não era pró-ativa e que, se eu saísse do hotel, arruinaria a relação da Universidade com um de seus parceiros de renome. Cheguei para falar com ela com um discurso decorado e a cara da derrota e qual não foi a minha surpresa quando ela me respondeu: "que bom que você me procurou logo no começo do estágio. Vamos resolver isso já!".

Ela então ligou para a minha coordenadora e expressou a sua preocupação com a qualidade do meu estágio. No dia seguinte eu fui recebida com o mesmo sorriso amarelo de outrora e com a explicação de que eu estava passando por um período de imersão, mas que naquele dia eu receberia um projeto desafiador e significativo para que eu me sentisse mais motivada. Então ela me explicou quão importante era a decisão do funcionário por seu período de refeição e me pediu que olhasse as pastas com os arquivos de todos os trabalhadores do hotel para ver se eles haviam assinado aquele formulário. Parece brincadeira, mas eu passei mais um dia manuseando, furando e grampeando papéis. Às 15h30 eu mandei um novo e-mail para a coordenadora contando o que tinha se passado e então batemos o martelo de que eu deveria sair dali.



Na semana seguinte eu fui ao hotel apenas para pedir a minha "demissão" e devolver o pin que me permitia passar pelas portas secretas. Voltei a correr pelos nomes e sites das empresas parceiras (agora com ainda menos vagas disponíveis) e a agendar entrevistas. Explicando o que eu gostaria de aprender, a coordenadora me recomendou uma empresa que exporta soja para América Latina e Ásia e, logo na primeira conversa, tive certeza que aquele lugar me ofereceria algo muito melhor. Até balancei com outra entrevista, mas fui racional e fiz a escolha da atividade que me parecia ter mais a ver com o que pretendo fazer quando voltar ao Brasil.

Agora estou de volta à rotina de trabalho americana, onde as pessoas fazem fila para entrar no metrô, não se empurram e esperam calmamente o desembarque alheio dos trens. Aqui também não existe essa de conciliar vida pessoal e profissional enquanto se está na empresa e ninguém entra no e-mail pessoal ou em redes sociais e nem levanta pra tomar um cafézinho e matar uns minutinhos com conversa. Além disso, o celular deve ficar escondido na gaveta. Aqui o povo trabalha super focado e se levanta da mesa pontualmente às 17hs para voltar para casa, sem hora extra. Além disso, o almoço é uma coisa estranha.... a maioria come na mesa mesmo, em cima do teclado, e se contenta com um sanduíche ou uma salada. Para a minha sorte, a diretora que me orienta na empresa é uma colombiana e que também foi aluna da UC uns anos atrás, então ela me dá dicas de como as coisas funcionam e me ajuda a me adaptar à cultura yankee de trabalho. E o melhor: só me agradece com um "thanks!" quando eu faço alguma coisa, sem exageros e nem falsos sorrisos. Espero que tudo continue seguindo bem daqui pra diante.

Wish me luck!

Comentários

  1. Muito bem. Depois d'eu passar pelo Hawai (muito engraçada as confusões e decepões) e cirque de soleil (não generalizando, mas brasileiro não sabe mesmo se comportar), fiquei impressionada com sua determinação em não somente ser um número a mais, mas sim em aproveitar o seu estágio focando no seu objetivo, isto só fará com que você seja, de fato, uma profissional centrada e competente. Tenho orgulho de você. Que sua estada seja sempre gratificante.....fique aí o quanto puder, aqui nada muda, e na minha visão, só piora. Beijos, Tia Diva

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