Um mês de casa nova

Quando cheguei em Berkeley, no dia 28 de agosto, fui direto para o YMCA - um tipo de hotel para longas estadias, onde eu tinha um quarto individual com frigobar e dividia o banheiro e a cozinha com os demais moradores. O lugar era super bem localizado (três quadras da escola e a duas do Bart que leva até San Francisco) e tinha uma excelente academia, que eu podia frequentar sem pagar nada por estar morando ali.

No começo, foi um paraíso.... Pra quem estava vivendo no alojamento McDonald's / Orfanato das Chiquititas no Chile, ter aquele papel de forrar o vaso, sabonete líquido e a tradicional toalha de papel pra secar as mãos no banheiro era o cúmulo da limpeza. E ter serviço pra arrumar a cama e trocar toalhas todos os dias então.... 5 estrelas!

Eu até tinha coragem de cozinhar ali e podia ir almoçar em casa todos os dias, o que parecia incrível. Mas, com o tempo, comecei a descobrir uns defeitinhos. Sabe aquele namorado que é perfeito na primeira semana e de quem você acha graça até das manias no começo do relacionamento, mas que, depois de uns meses juntos, você pega bode e os detalhes se transformam em elefantes? Pois é! Era essa a minha sensação....

Depois das primeiras duas semanas, comecei a enxergar os contras do YMCA e a me irritar com eles.
- Primeiro, porque o meu quarto estava localizado bem perto do ar condicionado central, então vinha aquele baita barulho a qualquer hora do dia e da noite.
- Segundo, porque na frente do meu quarto estavam os banheiros, então eu ouvia gente batendo porta o tempo inteiro.
- Terceiro, porque os banheiros mais limpos do mundo começaram a deixar de sê-lo. Além de estarem sempre congestionados pela manhã, pois todo mundo levantava no mesmo horário, comecei a encontrar o boxe sempre cheio de cabelo e a ter nojo de tudo o que estava em volta.
- Descobri que o YMCA é um lugar que o governo paga para algumas pessoas rejeitadas pela família ficarem. Então algumas "peças" começaram a surgir ali..... tipo um velho que não tomava banho e ficava arrotando na cozinha na mesma hora que eu estava tomando café da manhã, uma velha (que tb não tomava banho) que pegava bonecas na rua e as deixava no quarto e que, por falta de espaço na cama, dormia nos lobby do elevador, além de outros doidinhos mal-cheirosos que eu trombava nas áreas comuns de vez em quando.
- Pagar pra fazer laundry enche o saco e ainda te obriga a ficar um tempão em casa, porque é necessário desocupar a máquina logo depois do fim do ciclo. Mas, pior que isso, é conseguir juntar quarters, pois não é qualquer moeda que a máquina aceita. Considerando que eu lavasse as roupas coloridas e brancas só aos domingos, eu precisava de 16 moedas de 25 centavos por semana.
- Cozinha compartilhada é sinônimo de desperdício de água e tempo, pois você precisa deixar tudo limpo depois de usar, mas não tem coragem de pegar nada direto do escorredor e começar a cozinhar sem lavar.
- Usar pratos e talheres descartáveis em todas as refeições te deixa com a sensação de estar sempre comendo mal.
- Guardar comida no frigobar dentro do quarto pode acarretar experiências desagradáveis, como na vez que eu deixei uma cebola ali e parecia que tinha um gato morto embaixo da minha cama
- Não podia congelar comida
- A internet era péssima! Eu mal conseguia abrir os e-mails que os professores nos mandavam e, aos domingos, ficava ainda pior.
- Me dei conta que todos os lençóis eram lavados juntos, então eu podia estar dormindo no conjunto que estava na cama do velho sujo na semana anterior.

Precisa de mais alguma razão pra eu querer me mudar?
Pois, curiosamente, eu teria ficado lá mesmo assim. Mas eles não tinham vagas e eu precisava sair do meu quarto dia 1/10 de qualquer forma.

Uma brasileira que estava na mesma situação que eu comentou que havia visto um lugar interessante com apartamentos pra alugar num condomínio aqui em Berkeley e se dispôs a me trazer para conhecer. Olhamos alguns lugares vagos e escolhemos um sobradinho, onde dividiríamos um quarto e o outro ficaria livre até que alguém aparecesse. Como estava fora da alta temporada de mudanças, imaginamos que moraríamos só nós duas, mas o sonho não durou nem uma tarde..... quando voltamos da primeira rodada de compras pra casa, uma árabe que também estava precisando sair do YMCA tinha brotado aqui pra ficar no segundo quarto.

De cara eu fiquei meio incomodada pela presença de uma terceira pessoa na casa, mas a verdade é que não posso reclamar. Quando conto que tenho uma roomate da Arábia Saudita, todo mundo imagina que seja super recatada e conservadora, mas está longe disso. Ela veio pra cá pra estudar e precisou trazer o irmão pra que a família permitisse a viagem, mas ela vive saindo de balada sem ele saber e trocando de roupa depois que está fora do condomínio. Ela adora conversar quando eu estou tentando estudar, vive fritando frango na madrugada enquanto fala com a mãe via Skype e vira e mexe coloca umas músicas do Clone pra tocar no lap top no meio da sala, mas é boa pessoa.

A brasileira então.... uma fofa! Fora que já morou sozinha nos EUA e tem maior paciência comigo e com a minha falta de conhecimento em assuntos da casa. Ela também é da Extensão na UC, então temos uma rotinas e fofocas parecidas.

Enfim.... Agora tomo banho sem chinelo, tenho internet decente e faço marmita pro almoço. Tenho que andar 20 minutos pra chegar na escola, mas é bom pra conhecer um pouco mais da cidade. Entre os vizinhos estão vários outros alunos da UC, o que significa que continuo tendo gente pra dividir o táxi na hora de voltar da balada. A academia daqui é bem pequena, mas nada que uma adaptação no treino não resolvesse.  E, além de tudo, pago 100 dólares a menos do que no YMCA e não preciso ficar ouvindo gozação por causa do nome do lugar que eu moro. Então, pelo menos pra mim, está dando super certo.
Se algém quiser me visitar, tenho até sofá na sala pra receber = )